quarta-feira, julho 05, 2006

Marketing aplicado à sétima-arte

Como se pode explicar que criações cinematográficas consideradas pelos seus autores, intérpretes e críticos, como intelectual e culturalmente mais importantes e bem construídas, raramente consigam esgotar, mais do que uma noite, salas experimentais com cerca de 100 lugares?


Como se explica uma situação como a ilustrada no enunciado? Primeiramente há que ter em conta a importância das características intrínsecas do produto. Nomeadamente a banalização dos produtos, o que significa que as diferenças objectivas entre as marcas se diluem cada vez mais. Desta feita, todas as marcas seriam sensivelmente idênticas e a única maneira de os consumidores as diferenciarem é através da publicidade, a partir de atributos.


No que respeita ao cinema a banalização pode dar-se atrás da proliferação de obras comerciais (produções cinematográficas conhecidas como leves e apelidadas pela crítica como “filmes pipoca”).


No que respeita às marcas no cinema, podem haver três tipos de marcas. A primeira consiste no nome do estúdio que produziu a obra (factor relevante no mercado Norte Americano), a segunda consiste no nome do realizador (factor relevante no mercado Europeu) e a terceira é o nome dos intérpretes principais da película (factor relevante em ambos os mercados).


Dada à banalização das obras comerciais, grande parte do público prefere assistir a películas como “Scary Movie 4” em vez de um conceituado e quase “erudito” filme de Manuel de Oliveira (um dos mais conceituados cineastas Portugueses da actualidade). O público não cinéfilo classifica os críticos de cinema como eruditas, amantes do ridículo e daquilo que é inacessível.


No passado mês de Outubro (2005) a cadeia de cinemas Lusomundo, do Centro Comercial Vasco da Gama exibiu numa sala (sala três) com aspecto experimental (poucos lugares), o mais recente filme do realizador norte-americano Gus Van Sant, “Last Days”. Os trabalhos deste realizador inserem-se na descrição do enunciado. Van Sant privilegia a imagem, sendo dono de uma filmagem única. Este filme é baseado nos últimos dias da vida de Kurt Cobain, líder dos Nirvana. É sobretudo um filme sobre a morte (o desfecho da “Trilogia da morte” criada pelo autor e composta por obras como Gerry, Elephant e Last Days), em que o factor música/som se apresenta como o mais explorado.


No que respeita à qualidade, esta corresponde ao grau em que as performances do produto respondem às expectativas dos seus clientes. Ainda aplicado ao case-study da exibição do filme “Last Days”, embora a crítica tenha-lhe reservado classificações entre as quatro e cinco estrelas. Em termos práticos, as seguintes citações ilustram a avaliação que a crítica fez a esta obra: “É a evocação dos últimos dias de Kurt Cobain e é também um dos melhores filmes rock da história. É soberbo, inteligentíssimo, perturbador até, maravilhoso” In Les Inrockuptibles.
Jorge Leitão Ramos (Expresso) descreveu-a como “Inquietante”. A qualidade é um conceito relativo na medida em que depende das expectativas legítimas do consumidor, que se alteram ao longo do tempo. Nas economias ocidentais, onde a oferta é abundante, qualquer insuficiência de qualidade será sempre geradora de insatisfação por parte dos consumidores. Ainda remetendo ao case-study apresentado, na exibição feita ao filme pelas 15h25, do dia 21 de Outubro de 2005, a sala não devia conter mais de 10 pessoas e algumas delas abandonaram a sala a meio da exibição. Embora a crítica apresentasse a obra como algo a não perder, o conceito de gosto é algo que se constrói pelas vivências que partilhamos com os grupos em que nos inserimos. É um conceito difícil de definir devido ao relativismo que este assume. Para os que permaneceram na sala, os seus gostos cinematográficos enquadram-se na categoria de cinema de autor. Para os que saíram a filmagem particular de Van Sant e a inexploração da palavra foram factores que acabaram por lhes agradar.

Enquanto que para aqueles que permaneceram na sala, o consumo daquele produto tinha vantagens, o que corresponde a um atributo positivo face aos concorrentes. Tal como já foi descrito, através das características do filme, os atributos positivos revelaram-se na fórmula, nas performances, no design e sobretudo pela marca do realizador que estava associada a este.
Para a produtora do filme a posse de uma vantagem-produto constitui para uma empresa um atributo concorrencial importante. Todavia, para isso é indispensável que corresponda a uma verdadeira expectativa dos clientes, que seja facilmente perceptível pelos consumidores e que não possa ser fácil e instantaneamente copiada pelos concorrentes. É o caso de “Last Days”, estreado em Maio no Festival de Cannes e após receber críticas entusiastas no certame, cinéfilos um pouco por todo o mundo, (des)esperavam pelo filme que estrearia cinco meses mais tarde (caso português). Em termos de factor adicional “Last Days” tem características próprias da obra de Van Sant, sendo um conceito que dificilmente poderia ser de imediato copiada pela concorrência.


A questão da embalagem… o cinema não vem numa embalagem, no entanto, o poster e a promoção que é feita ao filme pode ajudar ao seu consumo. É através do grafismo, das cores e da colocação e disposição dos textos que a embalagem (poster) é feito e reconhecido. O poster (a produção deste) e a divulgação feita pelos media (Televisão, imprensa escrita – generalista e especializada, rádio, Internet) funcionam como a principal rampa de lançamento para o sucesso. No ano passado, o investimento publicitário em cinema distribuiu-se da seguinte forma: 15% publicidade em imprensa escrita; 49.9% publicidade no exterior; 21.2% publicidade na televisão e 14% na rádio. Não foram encontrados quaisquer tipos de dados correspondentes ao investimento publicitário em suportes como a Internet ou nas salas de cinema. O impacto visual é factor fundamental na percepção e aceitação da embalagem, sobretudo no que respeita aos posters de cinema, os quais servem muitas vezes de cartão de visita à compra do bilhete para a sessão.


Outro factor que pode ser responsável por criações cinematográficas consideradas pelos seus autores, intérpretes e críticos, como intelectual e culturalmente mais importantes e bem construídas, raramente consigam esgotar, mais do que uma noite, salas experimentais com cerca de 100 lugares, é o factor de estarem na sua fase de maturidade.


Outro aspecto é que o cinema de autor (categoria onde se enquadra este filme) é considerado como o topo de gama da sétima-arte, à qual nem todos estão dispostos ou capacitados a aceder. A imagem que passa de uma obra do cinema de autor é completamente determinante. Baseia-se geralmente em grande qualidade, um «savoir-faire», uma criação excepcional ou uma história de marca.


O factor de distribuição é igualmente preponderante. O controlo da distribuição é primordial. Os mercados de luxo são, geralmente, internacionais. Aí pratica-se frequentemente «o marketing global», idêntico em todos os mercados. A promoção feita a “Last Days” foi semelhante nos vários mercados. Em Portugal, dada a preferência do mercado por produções comerciais, a obra de Van Sant acabou por ter uma distribuição quase que exclusiva. Ao contrário das produções comerciais que aparecem como que cogumelos um pouco por toda a parte.